O livro é dividido em cantos (24 no total) e é constituído por 15 mil versos. Com típicos heróis épicos, cenas grandiosas de batalhas e a presença divina dos moradores do Monte Olímpio, temos contada a história do cerco a cidade de Ílion, em Troia.
O poema começa já passados 10 anos do cerco; de um lado temos os Troianos, liderados por Páris e seu irmão Heitor e de outro temos os Aqueus (ou gregos), liderados por Agamêmnon e Menelau; deste mesmo lado (dos Aqueus) temos o maior herói (e também, o protagonista) da Ilíada, Aquiles, gerado a partir da relação entre um homem mortal e uma deusa.
É importante lembrar, ainda, que o cerco foi motivado pelo rapto da esposa de Menelau, por parte de Páris, e também pela quebra do acordo de hospitalidade (de extrema importância na época) por parte deste.
Li esse livro para a matéria de Introdução aos Estudos Clássicos I da minha faculdade de Letras. Foi muito legal fazer essa leitura tendo aulas sobre diversos aspectos pertinentes da obra e tendo a ajuda do professor na busca dos pormenores que constroem a beleza da Ilíada. Verdadeiramente enriquecedor.
É fantástico ver a belíssima construção feita por Homero. Os epítetos (adjetivos que qualificam um substantivo), as formas cíclicas de narrar as passagens, as próprias passagens de combates, das assembleias, dos atos dos deuses... tudo isso faz com que a Ilíada seja considerada uma das mais grandiosas obras do ocidente.
Tradução é sempre um assunto delicado e as vezes até mesmo polêmico. A Ilíada tem quatro traduções em língua portuguesa: a de Manuel Odorico Mendes (de 1874), a de Carlos Alberto Nunes (da década de 1940), a de Haroldo de Campos (de 2002) e a de Frederico Lourenço (publicada pela primeira vez em Portugal em 2005). Eu li essa última, que foi publicada pelo selo Penguin da Companhia das Letras. Diante de comentários e da análise da primeira estrofe do poema, pude concluir que a tradução do Lourenço é a tradução mais acessível, escrita em versos livres e com a tradução mais próxima do original em grego que as demais (em que os tradutores, pelo menos o Carlos Alberto Nunes e o Haroldo de Campos, optaram por seguir a métrica original - Hexâmetro dactílico - e fizeram uma tradução criativa para se adequar a métrica). Então fica a dica para uma leitura mais fluida e ao mesmo tempo fiel ao original: opte pela edição da Penguin, traduzida pelo Frederico Lourenço.
A Polêmica da Autoria
Sobre a questão da autoria da Ilíada, a maior parte dos estudiosos acreditam que o texto pertence realmente ao grego Homero, mas há aqueles que dizem que essa obra foi criada por mais de uma pessoa. Não se tem muita certeza de nada, já que esse texto remonta de tempos longínquos, o que coloca uma nuvem sobre a verdade de sua autoria.
O que sabemos é que Homero (ou quem quer seja) criou a Ilíada sob a tradição oral, inspirado por outros aedos (cantores de epopeias da sua época) e que, por sua vez, inspirou toda a criação literária ocidental.
A Beleza dos Epítetos
Como eu disse , epítetos são palavras ou expressões que qualificam de forma grandiosa alguém ou algo. Homero faz uso desses epítetos de forma magistral. Boa parte da beleza e da qualidade da Ilíada está nesses epítetos.
Trago a vocês alguns exemplos desses epítetos:
"as naus velozes dos Aqueus", toda vez que as naus aparecer na obra, elas vêm acompanhadas de velozes, mesmo estando, durante todo o livro, paradas diante do acampamento dos Aqueus (os gregos).
"Aqueus de belas cnêmides", as cnêmides, para quem não sabe, faziam parte da vestimento dos guerreiros daquela época; é um tipo de proteção para a perna e elas sempre serão belas na Ilíada rsrs.
"Ulisses de mil ardis", como é tratado Ulisses, combatendo no lado dos Aqueus toda vez que ele aparece. Ele também é o personagem principal da Odisseia e bem ardiloso, cheio de artimanhas.
Os Símiles Marcantes
Símile é um tipo de figura de linguagem de comparação que chega próxima a metáfora, outra figura de linguagem. A Ilíada é permeada de símiles, a maior parte feita pelo próprio narrador para salientar ou mesmo comparar uma situação a outra.
Trago, também, um exemplo:
Tal como quando sob uma tempestade se enegrece toda a terra
em dia de ceifa, quando torrencialmente Zeus faz chover,
encolerizado na sua fúria contra homens que pela força
na assembleia proferem sentenças judiciais tortas,
escorraçando assim a justiça, indiferentes à vingança divina;
e todos os seus rios incham ao fluir o seu caudal
e as torrentes sulcam muitas colinas e em direção
ao mar purpúreo correm grandes correntes com fragor
a pique das montanhas, destruindo os campos dos homens –
assim era o relinchar das éguas Troianas a galope."
(canto XVI, 384-93)
A Dupla Motivação
Como sabemos, a obra se baseia no relato de alguns dias de combate já perto do fim da Guerra de Troia. Temos de um lado os guerreiros gregos e de outro os guerreiros troianos. E diante de todo o embate temos a influência dos deuses pertencentes a mitologia grega. Cria-se dois times no panteão grego: de um lado temos os que apoiam os Aqueus (como por exemplo: Hera, Atena e Posêidon) e de outro lado temos os que apoiam os Troianos (Apolo, Afrodite e Ártemis). E também temos Zeus, o pai dos deuses e dos homens (olha um epíteto ai, gente! rs), e que está adorando assistir os combates entre os heróis.
Tem-se então a dupla motivação das ações cometidas na batalha. Essa dupla motivação é mais evidente diante da morte de algum personagem importante, essa morte é cometida por algum outro herói mas sob a influência de algum deus, que meio que toma partido de algum personagem e o favorece na batalha.
Enfim...
Com belas passagens, numerosos discursos muito bem trabalhados, técnicas que tornam a obra ainda mais magistral (como os símiles e os epítetos) e com uma forma cíclica de se narrar, Homero cria um clássico para toda a eternidade e cria também uma obra para o panteão dos feitos humanos.
Uma obra que deve sim ser lida, estudada e aproveitada por seus detalhes e por suas grandezas; eu mesmo super aconselho que você, algum dia, leia a Ilíada, até mesmo buscando aquilo que eu coloquei aqui na resenha, no próprio poema. #ficaadica
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P.S.: Muito provavelmente resenharei a Odisseia também; fiquem de olho :)
- Henrique